Por Cláudio Lins de Vasconcelos
O Espaço Aberto Ciência e Tecnologia de anteontem conseguiu conceituar bem o tema da neutralidade da rede (vide post de 20/09/2010). Mas teria sido muito mais informativo se os dois lados do debate tivessem sido ouvidos (sim, porque há outro lado…). Os três especialistas ouvidos são notórios ativistas pró-neutralidade e isso deixou a abordagem um tanto desequilibrada.
Não que o princípio da neutralidade da rede em si seja uma coisa ruim. Ruim é debater o assunto – qualquer assunto – ouvindo um lado só.
E por falar em um lado só, a “blogosfera” brasileira acordou para o assunto e tem se posicionado em peso a favor da neutralidade, o que não deve surpreender ninguém. O post que mais me chamou atenção, no entanto, foi de um blog “veterano” no debate, o excelente Ecologia Digital (http://ecodigital.blogspot.com/), do coordenador de cultura digital do MinC, José Murilo.
O post, publicado em 13 de agosto último, se chama “Neutralidade da Rede: Google mostra suas verdadeiras cores? E você?” O tom é, mais que de crítica, de mágoa. Murilo não perdoa o Google pela “pulada de cerca” com a Verizon, gigante das telecomunicações com quem a empresa das letras coloridas fechou, na calada da noite, um acordo para “flexibilizar” o princípio da neutralidade, nos casos que ambos consideram justificáveis.
Murilo é um coerente seguidor da doutrina libertária que nasceu e cresceu com a internet pré-mercado (em breve vou postar alguma coisa sobre essa fase da formação da Rede, sobre a qual há bastante informação no livro “Mídia e Propriedade Intelectual”). E o Google sempre foi tido como um aliado pelos herdeiros desse “movimento”, ao qual Sorin Matei chamou de “tecno-contracultura”.
De fato, não apenas o Google, mas a Apple e outras empresas nascidas do caldo tecnológico do Vale Silício eram tidas, por muitos, como fiéis companheiras na luta contra os barões da velha mídia e suas opressoras leis de propriedade intelectual. Representavam, no imaginário geek, o futuro aberto e cooperativo, em oposição ao passado fechado e patrimonialista de Disney, Universal e outros do mesmo naipe.
Pois bem. A Apple foi a primeira a roer a corda, com seus i-Pads/Phones que só baixam o que Steve Jobs deixa baixar. Não é nem um gate-keeper: é um gate-owner. Restava o Google. Mas a empresa de Eric Schmidt cresceu e começa a entender que, para continuar ganhando os bilhões que distribui anualmente aos acionistas (e não aos ativistas), precisará entrar em um acordo com os demais grupos de interesse sem os quais seu negócio simplesmente não existe. Empresas de telecom, inlcusive.
Em suma: os hippies viraram yuppies e não parecem interessados em colocar sua confortável liderança de mercado em jogo por conta de, bem, princípios.
Fontes:
Link para o post de José Murilo: http://ecodigital.blogspot.com/2010/08/neutralidade-da-rede-google-mostra-suas.html.
Para o artigo de Sorin Matei, cf. MATEI, Sorin Adam. From counterculture to cyberculture: Virtual community discourse and the dilemma of modernity. Journal of Computer-Mediated Communication, 10(3), art. 14, 2005.
Mais um debate “democrático”, na linha dos debates patrocinados pelo governo sobre a Lei de Direitos Autorais. É uma pena ver tão importante assunto sendo tratado dessa forma e de maneira passional.
Fico imaginando o coitado do assessor de imprensa do Google escolhendo as palavras para explicar esse acordo…